sábado, 11 de julho de 2009

Estavas, linda Inês posta em sossego

Quando estava a fazer esta crónica, lembrei-me de uma passagem famosa dos Lusíadas, de Luís de Camões:
«Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano d` alma ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito»
Ora foi também assim que eu me senti depois de ter lido um artigo publicado neste jornal, em 29 de Maio, em que um ilustre cronista se insurgia contra o facto de eu ter ousado fazer uma possível referência religiosa a um cartaz de Paulo Fonseca, em que aliás não estava expressa a sua filiação socialista.
Passo a citá-lo, ““penso que desta forma se começa mal, com a utilização (…) de algo tão íntimo e sagrado como é a religiosidade de cada um”. Embora não fosse essa a intenção e não tivesse concordado com a observação, fiquei descansado, qual “Inês posta em sossego”, já que a lisura e a ética iriam, por certo, dominar esta campanha. O problema é que voltamos sempre ao velho ditado, “olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço.” Duas breves notas reflexivas:
Primeira: a grande festa religiosa na freguesia é, como todos sabemos, a de Nossa Senhora da Urtiga. Realizando-se desde tempos imemoriais é comovente a simbiose entre a alegre e genuína devoção por um lado e, por outro lado, o convívio das famílias que, montando as suas barracas, partilham a refeição com todos os que por lá passam. É lógico que em época de pré-campanha seria de esperar que pessoas que antes nunca tivessem vindo a esta festa popular, aparecessem. É normal e, portanto, longe de mim lançar qualquer objecção. O que é estranho é aproveitar a festa da Ortiga para, pela primeira vez, ser montada uma barraca «apartidária» no recinto. Não, claro que não estava identificada, aliás nem os cartazes políticos estão. Não será isto uma perigosa mistura, contrária à preciosa reflexão escrita no dia 29 de Maio?
Segunda nota reflexiva: quer o ilustre senhor deputado António Gameiro, quer o ex-governador civil Paulo Fonseca seguiram as políticas do governo. Mais, apoiaram-nas entusiasticamente. Um, votando na Assembleia da República. O outro, pondo-as em prática no distrito de Santarém, já que o seu cargo era de estrita confiança partidária, nomeado pelo Governo Socialista. O PS foi até a favor da retirada dos crucifixos das escolas, já que estamos num país laico, que diabo (passe a expressão). Agora aparece um cartaz do candidato «independente socialista» com a Basílica de Fátima em fundo. Será isto eticamente sério? Esta colagem ao sentimento religioso não é inocente, até como muito bem dizia o cronista de Casos Reais na edição de 29 de Maio “todos nós sabemos que estamos num concelho eminentemente católico, onde quase todos somos crentes ou devotos de Nossa Senhora”.
Serve tudo para angariar votos? Ou é necessário lembrar a posição do PS em relação ao aborto e as críticas à Igreja que a bancada socialista lançou aquando do debate parlamentar? Em que ficamos? O catavento muda conforme o vento?
Já agora seria interessante ver o PS continuar a defender os casamentos homossexuais nesta campanha legislativa. Porque é que de repente estas questões fracturantes, que foram colocadas com tanta soberba pelo Governo e pelo seu grupo parlamentar, são agora tão silenciadas? Porque é que havendo primeiro eleições legislativas, o ilustre deputado substituto de Ourém não fala claramente sobre algumas das leis polémicas que apoiou e ajudou a aprovar e que são claramente contra o espírito social-democrata das pessoas deste concelho? Os valores éticos que defendemos são claramente diferentes do actual governo socialista. A esses, como diria o nosso maior poeta, a fortuna não há-de deixar durar muito.

José Poças

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